domingo, 21 de setembro de 2008

Aos libertinos


Hoje guardei minha caneta de escrever tristezas, são verdades sombrias o que se pode escrever com elas, mais são verdades e quase todo o resto é mentira, são impressões de um tempo que não corre, de uma vida que voa alto, perto de onde, talvez, eu não quisesse ter chegado, mais hoje não. Hoje ela está guardada.
São inacreditáveis os efeitos do espírito humano, tu assopras toques cálidos e eu mordo desejos, sua língua, cada vez mais distante, inocula pudores enquanto a minha, cada vez mais dentro, se lança em uma fuga contra o tédio, sempre mais fundo, sempre em fuga.
Toda castidade, todos os pudores ou tudo mais que o valha não passam de uma embriaguez enganosa que, nos absorvendo o resultado dos sentidos, coloca-nos em tal estado que não mais enxergamos e só passamos a existir para esse objetivo pregado de maneira celestial. Isso é viver?
Enquanto alguns encontram motivos para se privar voluntariosamente de todas as doçuras da vida eu escolho a febre, desta que devora e proporciona outras felicidades além do metafísico, que te coloca em efeitos semelhantes ao da loucura, que inflama seu entendimento e faz arder voluptuosamente o espírito.
Que outra voz senão a da natureza nos sugere a entrega aos gozos e vícios? Como encerrar os ouvidos a tais apelos?
Às vezes me sinto condenado a conviver com pessoas que teimam em esconder-se aos olhos dos outros, em ocultar os próprios vícios para só nos oferecer as virtudes, como se a dissimulação e a hipocrisia fossem necessidades impostas pela sociedade. Comportamentos mesquinhos que levam algumas almas libertas a se contaminarem com esses lamentos de existência e se sentirem corrompidos.
A mediocridade da sociedade é um golpe de violência imensurável, mais hoje não, hoje a caneta está guardada.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A Via Crucis da ausência


Cala a minha boca com força, acerta a minha cara com as suas verdades, rasga minha indecência com os seus carinhos, corrompe meus medos com a sua doçura, sufoca minha loucura com a sua sanidade... Segura a minha mão ao preço de uma vida por que eu também quero segurar a sua.


Enquanto o mundo acontece em vão, eu me ocupo em lembrar de nós dois, mergulho em lembranças de momentos que a essa altura nem sei mais se não seriam somente memorias inventadas pela minha mente alcoolizada. A esse pensamento entorno um copo de vinho que está ao alcance de minhas mão tremulas.

Deixo um pouco de luz entrar por uma fresta na porta, miro-me no reflexo de um dos CD´s espalhados pelo chão e o que enxergo é a sua ausência e todos os efeitos devastadores dela sobre mim. mais vinho barato, acendo um cigarro.

Deito-me no chão, no computador uma música de Madonna me fala sobre corações congelados, as paredes à minha volta assumem um tom pastel, com o pouco de luz que entra, fazendo as vezes de pano de fundo para minha tarde blasé. As prateleiras, cheias de livros, me fazem lembrar algo sobre a faculdade, pinguins, professores, colegas de turma, o barzinho que a gente frequenta. Deus!!! Meu vinho está acabando. Abraço a garrafa, outro cigarro.

Engraçado como as coisas amorfas tendem a assumir as formas das coisas nas quais estamos pensando. Um, quase último, gole de vinho, um trago, espanto, quase derrubo a garrafa quando vi na fumaça expelida por mim os contornos turvos do seu rosto, sua boca pequena, seus olhos quase inexpressivos... Fico a principio tonto, envolto pela fumaça, logo depois completamente absorto, te observando. pareço escutar mil vezes e mil vezes mais você dizer que me ama, permaneço nesse transe até ser despertado pela luz que invade o quarto ao abrir da porta, é o meu cachorro que, junto com ele, traz o vento que dissipa a fumaça que antes me dizia coisas tão lindas. Maldito cachorro, malditas sejam todas as coisas que me afastam de você.

Ao inferno com a minha ânsia de experimentar o mundo, decepem meus braços que, por viver abraçando sensações morreu para o seu abraço, e a minha boca que profere calores, do que adianta devorar corpos se a minha boca também me afasta de você?

Acontece que ainda tenho fome, paciência e sede.


sábado, 30 de agosto de 2008

Pai, Filho e Espirito Santo


Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um. (1joão, cap 5, v 7)


O vento que corta o mar e penetra cada gota desta massa oceânica. O vento pai, que lança seu filho alado sobre corpos de carnes trêmulas e alimenta-o com o sumo de seu sexo, sujando-o com excrementos de sua satisfação sádica, lembrando-o, gota a gota, que quem nasceu do Pai vento goza pela alma. Goza e nunca cessa.

Molhado pelo vento, alimentado com o suco do pai, a palavra que nasceu pra desnudar a lua. O filho. Eis que é o filho que segue seu destino inebriado, que, corpo a corpo, vai cumprindo seu destino de gozar aos ventos. O filho que acredita ser puro e que a pureza consista em caminhar, sem nem ao menos saber para onde. Gozar e caminhar.

Na beleza inocente e sexual do filho e na enxurrada desenfreada e melancólica do pai, paira o espírito que é santo, assim como é santa a prostituta resignada pela idade, como as línguas que invadem o corpo do filho ou como também são santos os raios que desconcertam a virilidade do pai. Um espírito que precisa da entrega, sempre pequena, dos outros, que não se acostuma com os pudores sempre iguais, que mija embriagado todas as suas expectativas, que não morre de tédio por que é espírito, que não esvaece por que é santo. Ama e goza.

sábado, 23 de agosto de 2008

Releitura de outrem ou a saga da lingua








Andávamos como se não soubéssemos para onde iríamos, olhava-me como se eu pudesse arrancar-lhe a alma, sentia frio e medo, talvez já nem mais andássemos, parecíamos vagar.
Estremeceu ao primeiro toque, e era só a minha mão indicando-lhe a porta de casa.
Soluçou ou disse algo inaudível, recuperou-se, mais já nem via uma porta, em sua frente enxergava criaturas intrépidas, pequenos diabos dançando e pedindo que entrasse. Não entrou.
O suor escorria pela pele, cheiros eram exalados, eram aromas de fome, uma fome reprimida, rasgada, percebemos que nossos cheiros denunciavam-nos. Deu um passo para trás.
Ousei tocar-lhe novamente, precisava que entrasse, mais os diabos ainda cantavam, ainda contorciam-se em coreografias, havia o medo... Respirou fundo. Um passo.
Tendo deixado para trás os diabos, já do lado de dentro, colocou-se sobre mim, na TV alguém era ameaçado de morte, lá fora algum cão latia, aqui dentro um corpo era cercado, explorado, reduzido a desejos e a bestialidades.
Foram oferecidos angustias, temores, inexperiências, noites mal dormidas, todos os sabores e tudo mais que queimava. Aceitei.
Amamos-nos, ou antes, lutamos, brigamos por nossos poros, através do tempo que nos acolhia, brigamos por Baco e Afrodite, pelos diabos na porta, línguas tentavam abrandar lábios em brasa tendo por testemunhas um exército de mil ditosos, nos destruímos. Caímos de prazer.
Caí com seu gosto na boca, caiu cantando a canção dos diabos, deitei e acendi um cigarro, dançou sobre meu corpo abandonado

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Soletrar A d e u s


De tudo me atormenta um abraço que ficou por ser dado, a ideia de que, caso tivesse acontecido, dele jamais iríamos nos disvencilhar. Dentre todas as mil maneiras que imaginei nos despedir-mos aconteceu a mais a mais cruel, a mais incrustante... somente olhares.
Desse abraço não dado sobraram fragmentos que me fazem escorrer o sangue, o gosto de um adeus não pronunciado, somente soletrado em fluidos e gemidos, o toque do tempo que nos afastava... Ainda posso escutar a ciranda que nos embalava, entoada por trilhos e vagões que nos aproximavam, me fecho em mim e escuto o grito das batidas eletrônicas, que nem de longe abafavam o som do que você fez pulsar dentro de mim.
Eu tenho em minha língua o seu gosto, em meu corpo suas marcas, em minhas lembranças seus sussurros, você me deu suas verdades, suas inquietações, sua libido, sua lascívia... mas não me disse adeus em um abraço, e eu continuo catando o que sobrou de tudo e, sussurrando, vago soletrando adeus, a-deus, ad-eus, ...eus