sábado, 30 de agosto de 2008

Pai, Filho e Espirito Santo


Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um. (1joão, cap 5, v 7)


O vento que corta o mar e penetra cada gota desta massa oceânica. O vento pai, que lança seu filho alado sobre corpos de carnes trêmulas e alimenta-o com o sumo de seu sexo, sujando-o com excrementos de sua satisfação sádica, lembrando-o, gota a gota, que quem nasceu do Pai vento goza pela alma. Goza e nunca cessa.

Molhado pelo vento, alimentado com o suco do pai, a palavra que nasceu pra desnudar a lua. O filho. Eis que é o filho que segue seu destino inebriado, que, corpo a corpo, vai cumprindo seu destino de gozar aos ventos. O filho que acredita ser puro e que a pureza consista em caminhar, sem nem ao menos saber para onde. Gozar e caminhar.

Na beleza inocente e sexual do filho e na enxurrada desenfreada e melancólica do pai, paira o espírito que é santo, assim como é santa a prostituta resignada pela idade, como as línguas que invadem o corpo do filho ou como também são santos os raios que desconcertam a virilidade do pai. Um espírito que precisa da entrega, sempre pequena, dos outros, que não se acostuma com os pudores sempre iguais, que mija embriagado todas as suas expectativas, que não morre de tédio por que é espírito, que não esvaece por que é santo. Ama e goza.

sábado, 23 de agosto de 2008

Releitura de outrem ou a saga da lingua








Andávamos como se não soubéssemos para onde iríamos, olhava-me como se eu pudesse arrancar-lhe a alma, sentia frio e medo, talvez já nem mais andássemos, parecíamos vagar.
Estremeceu ao primeiro toque, e era só a minha mão indicando-lhe a porta de casa.
Soluçou ou disse algo inaudível, recuperou-se, mais já nem via uma porta, em sua frente enxergava criaturas intrépidas, pequenos diabos dançando e pedindo que entrasse. Não entrou.
O suor escorria pela pele, cheiros eram exalados, eram aromas de fome, uma fome reprimida, rasgada, percebemos que nossos cheiros denunciavam-nos. Deu um passo para trás.
Ousei tocar-lhe novamente, precisava que entrasse, mais os diabos ainda cantavam, ainda contorciam-se em coreografias, havia o medo... Respirou fundo. Um passo.
Tendo deixado para trás os diabos, já do lado de dentro, colocou-se sobre mim, na TV alguém era ameaçado de morte, lá fora algum cão latia, aqui dentro um corpo era cercado, explorado, reduzido a desejos e a bestialidades.
Foram oferecidos angustias, temores, inexperiências, noites mal dormidas, todos os sabores e tudo mais que queimava. Aceitei.
Amamos-nos, ou antes, lutamos, brigamos por nossos poros, através do tempo que nos acolhia, brigamos por Baco e Afrodite, pelos diabos na porta, línguas tentavam abrandar lábios em brasa tendo por testemunhas um exército de mil ditosos, nos destruímos. Caímos de prazer.
Caí com seu gosto na boca, caiu cantando a canção dos diabos, deitei e acendi um cigarro, dançou sobre meu corpo abandonado

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Soletrar A d e u s


De tudo me atormenta um abraço que ficou por ser dado, a ideia de que, caso tivesse acontecido, dele jamais iríamos nos disvencilhar. Dentre todas as mil maneiras que imaginei nos despedir-mos aconteceu a mais a mais cruel, a mais incrustante... somente olhares.
Desse abraço não dado sobraram fragmentos que me fazem escorrer o sangue, o gosto de um adeus não pronunciado, somente soletrado em fluidos e gemidos, o toque do tempo que nos afastava... Ainda posso escutar a ciranda que nos embalava, entoada por trilhos e vagões que nos aproximavam, me fecho em mim e escuto o grito das batidas eletrônicas, que nem de longe abafavam o som do que você fez pulsar dentro de mim.
Eu tenho em minha língua o seu gosto, em meu corpo suas marcas, em minhas lembranças seus sussurros, você me deu suas verdades, suas inquietações, sua libido, sua lascívia... mas não me disse adeus em um abraço, e eu continuo catando o que sobrou de tudo e, sussurrando, vago soletrando adeus, a-deus, ad-eus, ...eus